sexta-feira, 17 de agosto de 2018

O Coração falando

Entrei sem falar nada.
Só cheguei no balcão - uma senhora estava saindo, deixei ela passar - e apontei com o queixo pro garrafão de mineira. O moço já me conhece. Aqui eu venho sempre. Ele me serviu um copo americano quase cheio. Quando tomei o primeiro gole, a senhora que tinha passado por mim virou e falou assim, admirada:
- Ai! Não me diz que você é do Sul!
Quase engasguei. Foi o coração falando. Juro que estava pensando em Porto Alegre na vinda para cá. Aliás, eu tinha saído de casa para buscar algo para comer e acabou que a saudade superou a fome. E vim parar aqui, de barriga vazia, para tentar resolver a situação com uma cachaça. Entrei e não falei nada, mesmo! Só apontei com o queixo... E me deparei com essa mulher...
- Já na hora em que eu vi você, achei que tinha cara de gaúcha! E agora, pedindo essa cachaça! Me lembrou uns amigos meus que eram de Santa Maria. Eles sempre começavam as reuniões tomando uma pinga dessas! Era para esquentar, que eles diziam! Eram jornalistas. Eu também. Mas eu não sou do sul. Sou do Maranhão. Mas a gente trabalhava junto no Jornal do Brasil. É. Naquela época. Não era pouca coisa! Depois o jornal deixou de existir. Agora voltou, mas já não é mais aquilo... Mas os meus amigos ainda estão aqui no Rio... Em Santa Teresa. E eles gostam de bebida quente! Eu sou mais da gelada...
Eu estava ainda muda, boquiaberta, engolindo essas palavras todas.
- E você mora onde?
Eu já tinha perdido o fio do discurso quando ela chegou a fazer essa pergunta.
- Hem... Aqui perto... - eu respondi. Quer dizer... Por enquanto... porque na verdade, estou procurando um lugar para morar!
Essa decisão também eu tinha tomado alguns minutos antes, no caminho, vindo pra cá.
- Que ótimo! Eu só agente imobiliária! Toma aí meu cartão!
Na hora, lógico, achei que fosse piada. Que nada! O cartão dela era profissional!
Mas com certeza percebeu o meu ar desconfiado, pois sentiu a necessidade de se justificar.
- É... Acabei trocando. É isso que dá dinheiro! O jornalismo hoje em dia...
[Pois é. Eu já nem me lembrava dessa história de jornalismo.]
- Mas vou te ajudar! Conheço muita coisa por aí! Vamos achar! Me liga!
Ela ficou mais um instante observando a minha cara confusa e perguntou com a maior bondade:
- Posso te dar um beijo para me despedir?
- Pode!
Pegou então a minha cabeça com as duas mãos e encostou os seus lábios na minha testa. Soltou uma risada.
- Olha que eu não sou nenhuma mãe de santa, tá? Mas eu gostei de você!
Ri também. Ela deu outro beijo de bênção no meu cabelo. E foi.

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Cacique de Ramos

Tudo começou num evento de rua em Oswaldo Cruz. A Feira das Yabás. Eu tinha ido sozinha, assim, só para conhecer...
Aí aconteceu aquela coisa clássica: você dá de cara com algum amigo, que te convida a sentar junto com ele, a mãe e a namorada. Logo depois chega mais um cara e surge a ideia de terminar a noite num samba. Aí aquele outro amigo traz mais três e você acaba entrando num carro qualquer, sem saber para onde você está indo e menos ainda como você vai voltar pra casa depois.
- Você nunca foi no Cacique de Ramos???
- É que não sou do Rio...
Ao penetrar no galpão, senti aquela energia de vida tomar conta de mim, como se duas mãos estivessem esticando um sorriso no meu rosto de gringa. Abraços desconhecidos me deram a bem-vinda com todo o calor que se dá a um velho amigo cuja ausência era insuportável. "Aqui é tudo família!" falou a mãe do amigo no meu ouvido. Feliz dia dos pais! Fui tirando um por um os meus casacos de inverno e deixando a música me aquecer por dentro.
Dizem que tem gente que não gosta de samba. (?!)
Azar. Eu amo.