Eu tinha saído para dar pedalada, quando a chuva me pegou e mudou os meus planos. Fui então me abrigar num boteco daqueles, com samba e futebol, ambiente apertado, pessoas conversando de uma mesa para a outra, e um garrafão de cachaça mineira no balcão. Quem dera meus olhos fossem câmera! Eu poderia ficar horas num lugar como esse, observando os jeitos, gravando as almas...
- Gringa?
- Gaúcha.
- Gremista?
- Colorada.
- Cerveja?
- Cachaça.
O cara gostou de mim. Louco para falar. Um senhorzão sem idade que veio lá da Bahia, na época em que ele jogava bola. Mas depois começou a trabalhar em filmes, na parte da produção. Nunca foi ator. Mas ganhava dinheiro, sim.
A nossa conversa foi cortada pela chegada de um rapaz muito bonito que usava um vestido azul justo e comprido, chamando todas as atenções. Foi até ao balcão, pediu alguma coisa e ficou esperando, ignorando com estilo as pessoas rindo ou tirando onda. Meu vizinho ficou meio sem jeito, envergonhado comigo, e falou como se precisasse pedir desculpa pela cena.
- Meio louca, heim?
Ignorei o comentário. O menino também. Ele pegou o seu trago num copo descartável e saiu sem despedir.
Mas juro que ele piscou o olho quando passou por mim...
Fui sentar junto com outros senhores que estavam assistindo mais uma derrota do Fluminense contra Chapecó.
- Eu queria conversar com você...
Uma mulher baixinha de uns 40 anos veio sussurar no meu ouvido.
- Eu?!
- Mas você vai ficar chateada...
- ... Vou não...!
- Sei lá... Será que não vai, mesmo?
- Claro que não! Vamos!
Levantei e nos afastamos um pouco da mesa.
- Assim. É meu filho. Ele tem 13 anos. Mas já é diferente... Ele quer implantar peitos.
- ...
- Achei que você entenderia...
- ...
[Pois é... você que está lendo isso, deve estar entendendo muito melhor do que eu].
- É que eu tô preocupada... É meu filho! Não queria que acontecesse algo com ele. É que nem você. Você já conquistou todos os homens aqui. Estão todos te olhando... Mas você tem que se cuidar, heim?!
- Mas eu me cuido! Que é que cê acha?!
- Estou preocupada com ele.
- É que seu filho é muito novo! Você tem que conversar com ele. Quando tiver 18 anos...
- 18 nada! Ele vai ter que arrumar um trabalho e uma casa para ele!
- Mmm... Mas peraí! Por que é que você veio falar isso comigo? A gente nem se conhece!
- É que eu estava te olhando. E te achei muito bonita... ou bonito, sei lá. Alguma coisa. Você parece a Ivana da novela. Sabe a Ivana?
- Sei. [Mentira. Alguém ajuda?]
- Então... achei que você poderia entender.
- Ah, tá.
O papo seguiu. Ela contando a sua vida, eu incapaz de assimilar tanta informação. Ela me convidou para aparecer no aniversário dela, Terça-Feira. Vai fazer uma comida em casa. Só não é para chegar muito cedo, nem muito tarde.
- Mas agora, vamos voltar pra lá, porque eles estão todos com raiva de mim. Roubei você...
- Ué! A gente pode conversar!
Ela baixou os olhos.
- Sabe o que? Acho que vou aceitar meu filho como ele é...
- ... Queafudê...
Ela sumiu para dentro do boteco. Eu fiquei na porta, os caras olhando para mim com sorriso curioso. Confesso que aquele copo de cachaça se tornou meio sem graça. Não consegui mais tomar. A minha cabeça já estava em outro lugar. E a chuva de repente tão tímida... Não demorei muito para ir embora.
- E MEU BEEEIIIJOOO???
Louca sou eu de achar que podia sair assim de fininho, sem despedir da Ana.
- Te espero na Terça!
- Combinado!
- Vou falar pro meu filho que você vem... Meu filho... minha filha... enfim...
Ela ficou um tempo pensativa, como analisando suas próprias palavras.
Lhe dei mais um abraço apertado e fui embora.
Eu não entendo NADA dessa vida.
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