segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Atitudes

Gostei da Elke.
Quando passei na frente do boteco, ela estava sentada bem na entrada, num banco alto, sozinha com uma cerveja e o maior bandeirão do PT estendido nos cantos da mesa. Uns 45 anos. Postura reta e orgulhosa, cara meio fechada de "não mexe comigo..."
Gostei também do samba que estava tocando lá dentro, no som. Entrei para pedir uma cachaça. Mas logo voltei pra calçada e fiquei um tempo parada em pé, do lado daquela mulher... trocando olhares cada vez mais cúmplices e deixando o sorriso tomar conta do meu rosto, até não poder mais segurar a palavra.
- Chegou chegando, heim? eu falei, brincando. Já com bandeira e tudo!
- Nem me fala! Acabei de expulsar um Bolsonaro daqui!
Ela não estava sorrindo, não. Transbordava de indignação. E, pelo jeito, precisava desabafar.
- Eu não sou assim petista fanática. Não sou puxar a bandeira em qualquer lugar, mas o cara me agrediu! Começou a falar que aquele Outro ia botar ordem nisso aí e mandar todo mundo preso!
- Como assim?
- Por causa do adesivo!
Ela estava com aquele adesivo "Lula Livre" no peito. E, claro, de camiseta vermelha.
- Prender a gente! Todos nós! Presos! Ele me falando isso! Apontando para mim! Aí não me aguentei! Puxei a minha bandeira e pendurei aí bem na cara dele! Aí ele deu para trás. Levantou, pagou - ficou falando mais umas coisas - e foi embora. Não quis encarar! Ficou com medo! Expulsei o cara!
Tomou um gole de cerveja e começou a recolher a bandeira.
- Agora, não precisa mais.
Dobrou ela com cuidado e guardou na bolsa. Parou a música no bar.
- E você nem sabe ainda o que eu passei antes de chegar aqui! Tomei uma oração no metrô, menina!
- O quê?
- Uma senhora que veio colocar a mão na minha cabeça e começou a rezar!
- ...??!!
- Também por causa do adesivo! Botou a mão em cima da minha cabeça! E perguntou se eu queria a ajuda de Jesus. Falei que não! Eu não queria! Mas eu quis mandar ela tomar no cu com seu Jesus! VAI TOMAR NO CU! ... Só que não dá para mandar o Jesus tomar no cu assim, no metrô...
Respirou fundo, agora mais calma, e virou a garrafa em cima no copo.
- Qual é o nome do garçom?
- Poxa... me esqueci...
- Oh gatinho!
- Isso também funciona...
- Traz mais uma cerveja para mim!
O cara trouxe ligeirinho. Veio a minha vez.
- Oh Gatinho! Quando cheguei, tava um samba bem legal aí tocando...
- Isso! Põe um som! - ela de novo. Mas não qualquer coisa, tá! Eu quero de João Nogueira para cima!
Aí eu sentei.
Eu sabia que a gente ia se dar bem. Trocamos altas ideias até mais tarde. E vou te dizer, gostei da Elke. Como eu gosto dessas pessoas que tem atitudes e não vacilam. Que não tem vergonha de largar o marido em casa na sexta-feira para se perder num boteco. Que espantam os vampiros com uma velha bandeira. E não aceitam a salvação de Deus no meio de um metrô lotado.

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